

Redação Na Prática
Publicado em 7 de novembro de 2025 às 10:29h.
Liderar é uma das tarefas mais complexas dentro de qualquer organização. Envolve propósito, empatia, estratégia e resiliência, especialmente quando o cenário é de incerteza. Leonardo Cirino, atual CMO da Exame (e ex-diretor de marketing da Smart Fit) compartilha uma experiência marcante que ilustra como uma liderança genuína pode transformar uma crise em oportunidade.
A história dele não é um episódio isolado. Ao contrário: a narrativa revela como a cultura de uma empresa sólida e o alinhamento com o público da companhia podem ser os maiores aliados quando algo foge do controle.
Era 2013, a Smart Fit vivia um momento acelerado de expansão e fortalecimento da marca no Brasil. Em meio ao crescimento, veio o inesperado: um incêndio atingiu a unidade da academia no bairro da República, no centro de São Paulo.
“Acordamos naquele dia com uma unidade incendiada. A loja estava totalmente destruída”, relembra Cirino. O episódio, ocorrido durante a madrugada, não deixou feridos, mas trouxe um grande susto. Além disso, levantou questionamentos naturais: o ambiente era seguro? A empresa tinha todos os documentos em dia?
Como em qualquer crise, a primeira reação de muitas lideranças seria acionar o time de comunicação e emitir uma nota oficial. Mas, segundo Cirino, esse modelo tradicional já não funciona na vida real de hoje.
Cirino explica que, anos atrás, as empresas se apoiavam em comunicados formais, como os antigos informes à população que apareciam em tela azul na televisão. Hoje, esse tipo de resposta soa distante e pouco empática.
O caso da Smart Fit mostrou isso com clareza. Assim que a notícia do incêndio se espalhou, começaram as especulações nas redes sociais. Mas, para surpresa da equipe, quem assumiu a linha de frente na defesa da marca foram os próprios clientes.
Muitos frequentadores da unidade atingida começaram espontaneamente a publicar mensagens nas redes, dizendo que o ambiente era seguro e pedindo para que a empresa não abandonasse o bairro. “Quem resolveu aquela crise não foi o texto de PR nem a alta liderança”, lembra Cirino. “Quem resolveu foi o cliente, que conhecia a verdade da marca e se sentiu à vontade para defendê-la.”
Esse episódio revelou uma das maiores lições de liderança: marcas autênticas são protegidas por quem acredita nelas. Quando o propósito é real e o time entrega valor genuíno ao público, os próprios clientes se tornam parte ativa da reputação da empresa.
Cirino destaca que o segredo para construir uma cultura forte — capaz de resistir a crises — está em ter clareza sobre o “para quem” a empresa existe.
“Se aquilo que a sua empresa faz não te dá prazer, você vai ser muito infeliz ali dentro”, afirma. Segundo ele, o propósito é o elo entre o significado pessoal do colaborador e o impacto coletivo da marca.
No caso da Exame, onde Cirino atua atualmente, o propósito é claro: se o time de marketing for eficiente, mais pessoas terão acesso a conhecimento e poderão construir carreiras melhores. “Isso é algo que me atrai muito”, diz.
A partir dessa visão, liderar passa a ser mais do que gerenciar tarefas — é criar sentido. “Quando você convence o time do propósito e ele enxerga valor real naquilo, as pessoas se engajam naturalmente e defendem a marca em qualquer circunstância”, resume.
Outro ponto essencial, segundo Cirino, é a relação humana com os colaboradores. Ele questiona: quantos líderes realmente conhecem o dia a dia de seus times? Sabem onde moram, quanto tempo levam para chegar ao trabalho, se têm filhos, quais são seus sonhos?
“Se você não sabe qual é o sonho do seu colaborador direto, dificilmente está liderando alguma coisa”, afirma.
Para ele, a liderança exige curiosidade genuína pelas pessoas. Mais do que controlar horários ou prazos, é preciso entender o contexto humano por trás de cada membro do time. “Quando você compreende a realidade de quem trabalha com você, cria vínculos e propósito. É assim que se constrói cultura.”
Cirino conta que a cultura da Smart Fit foi sendo moldada com o tempo — na prática, com erros, acertos e desafios reais. Essa cultura se tornou um ativo poderoso, refletido até no humor popular.
Ele cita o exemplo de uma brincadeira do portal Sensacionalista, que dizia: “A Igreja confirma: quando Deus fecha uma porta, é porque Ele já abriu uma Smart Fit”. A piada viralizou, e Cirino a interpreta como um indicador de sucesso cultural.
“Esse tipo de comentário mostra o residual da marca no inconsciente coletivo. Quando você entende o que as pessoas estão falando sobre sua empresa, você entende o pulso da cultura”, explica.
Hoje, acompanhar esse “pulso cultural” é mais fácil do que nunca. O líder destaca que, antigamente, só grandes empresas podiam investir em pesquisas de mercado para entender a percepção de marca. Agora, com ferramentas como ChatGPT, Gemini e funções de análise de conteúdo em tempo real, qualquer gestor pode monitorar o que está sendo dito sobre seu setor ou sua empresa nas redes sociais.
“Você consegue pedir uma análise do conteúdo que está sendo gerado agora, em mar aberto. Isso te dá uma temperatura real do mercado e ajuda a ajustar o tom das decisões”, explica.
Essa prática é especialmente útil em contextos de crise, quando entender o sentimento do público é fundamental para agir com empatia e precisão.
A trajetória de Leonardo Cirino mostra que a verdadeira gestão de crise começa antes da crise acontecer — na construção diária de confiança, propósito e relações humanas.
Quando a marca é verdadeira, o time é engajado e o cliente é fiel, a resposta a momentos delicados se torna quase natural. Não se trata de apagar incêndios (literal ou metaforicamente), mas de liderar com consciência e coerência.
Cirino resume: “A vida real é feita de desafios. Liderar é maravilhoso, mas exige olhar para as pessoas e entender o porquê de cada decisão. Quando o propósito é claro, até a crise se transforma em aprendizado.”